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Um breve histórico sobre asanas

Atualizado: 20 de jun. de 2021

Bonito e atraente aos nossos olhos, no yoga contemporâneo, são as posturas (asanas) que mais nos prendem a atenção. A partir disso, proponho um breve resumo sobre estas formas passando pelos principais pontos até chegarmos ao yoga contemporâneo.


Sabemos que não são todos os tipos de yoga que se utilizam do corpo como um meio de realização, alguns, inclusive, repudiam a identificação com o corpo e buscam um caminho de ascetismo, de renúncia. O renunciante é aquele que deve escolher entre o si mesmo transcendente ou o eu condicionado, entre Deus e o mundo, vendo o corpo como algo impuro e o mundo como sofrimento. Aqui o cuidado com o corpo é completamente abandonado e a visão de mundo é dual (separa matéria e espírito).


Asana, como conceito, significa assento. Há relatos que asana, como postura, aparecem em selos de argila na era pre védica (6500-4500 a.C.) nas cidades de Mohenjo Daro e Harappa. Mas isso não quer dizer que as posturas modernas que vemos hoje tem sua origem desta época, afinal são milhares de anos que nos separam dessa era.


As Upanishads já mencionam asana, mas também de forma diferente como conhecemos hoje. Por exemplo, na Svetasvatara Upanishad, o asana é mencionado como “tendo o corpo reto e ereto nas três partes (cabeça, pescoço e peito)” e na Tejobindu Upanishad o asana é definido como “o que possibilita contemplar o Absoluto continuamente e por um longo tempo.” Podemos entender aqui que se trata de uma postura sentada de meditação.


Para Patanjali (autor do texto mais popular e conhecido no yoga contemporâneo, o asana é um assento firme/estável e confortável, referenciando exclusivamente aqui, asanas sentados para meditação. Apontando que o asana, mesmo sendo praticado com o corpo, produz efeitos mentais e não podemos esquecer que Patanjali desenvolve os Sutras (II d.C.) a partir do ponto de vista do Samkhya, uma filosofia (darshana) dual.


No tantra não dual, o conceito de asana é um pouco diferente, asana aqui significa trono, especificamente o trono de uma deidade na prática de visualização. Sendo o trono de lótus o que é geralmente visualizado, então asana veio a significar assento, então qualquer postura para meditação pode ser chamado de asana. O termo geral aqui para posturas (como conhecemos no Hatha Yoga), é karana, que podem indicar inversões, poses de dança, posturas de percepção. Mas de forma nenhuma, esse termo está associado ao que conhecemos hoje por asanas.


O que mais nos aproxima da parte de asanas é o Hatha Yoga, o yoga vigoroso, que tem por objetivo a libertação do vivente através do corpo. Nos textos mais populares de Hatha, não há um consenso sobre asanas. Eles variam de número e de formas. Estes tratados ocorrem (mais ou menos) a partir do século VII.


No Hatha Yoga Pradipika (XV d.C.) o asana é mencionado como o primeiro componente do yoga, aquele que proporciona quietude (física e mental), liberam-nos das enfermidades e dão flexibilidade os nosso membros. Em seguida, são descritos 15 asanas tecnicamente: svastika, gomukha, vira, kurma, kukkuta, uttanakurma, akarsadanhura, matsyendra, paschimottana, mayura, shava, siddha, padma, simha e bhadrasana.

Menciona-se também o fogo gástrico e kundalini, conceitos muito importantes para o Hatha Yoga.


O segundo capítulo do Gheranda Samhita (XVII d.C.), que fala sobre os asanas, inicia desta forma:


2.1 Há tantos asanas como espécies de animais. Há 84 milhões descritos por Shiva.

2.2 Oitenta e quatro são considerados importantes entre eles e trinta e dois são muito bons neste mundo de seres mortais.

2.3 a 6 Justamente um grupo de trinta e dois asanas dá êxito no mundo de seres mortais: siddha, padma, bhadra, mukta, vajra, svastika, simha, gomukha, vira, danhu, mrta, gupta, matsya, matsyendra, goraksha, paschimottana, utkata, samkata, mayura, kukkuta, kurma, uttanakurma, uttanamanduka, vrksa, manduka, garuda, vrsa, shalaba, makara, ustra, bhujanga e yogasana.


Na descrição dos asanas há várias menções de estímulos em certas partes vitais, com base na anatomia yogin (que não é a anatomia ocidental), principalmente ao longo da coluna, sendo uma parte muito importante nas práticas. Quando descrito, subetende-se que é uma prática para homens. Não que se proíba a prática para mulheres, mas se haviam mulheres, o número era insignificante e não há evidência literária.


Para o Shiva Samhita (XVIII d.C.) existem oitenta e quatro posturas e destas, quatro deverão ser adotadas: siddhasana, padmasana, ugrasana (paschimottanasana) e svastikasana.


O Goraksha Shataka (IX d.C.) também comenta que existem oitenta e quatro asanas, mas apenas dois merecem uma atenção especial, que são duas posturas sentadas, siddhasana e padmasana.


Existem outros tratados de Hatha yoga, que infelizmente nunca tive acesso. Os citados acima foram os que se popularizaram e chegaram para nós, mas hoje existe uma comunidade acadêmica que vem resgatando e estudando esses textos antigos e futuramente poderemos aprofundar um pouco mais para entender este universo.


Chegando então, no que que se conhece hoje por "yoga postural moderno", vemos uma forma de exercício que pouco se assemelha a tradição do Hatha Yoga em que foi inspirado. Muitas das posturas que se utilizam hoje são encontradas nos tratados antigos, assim como as outras técnicas (kryias, pranayamas, meditações) que derivam todas dessa origem. A maioria das posturas se desenvolveram no século XX e podemos dizer que o maior responsável pela disseminação delas foi Krishnamacharya nos anos 30. Esse yoga contemporâneo é um produto da globalização e da colonização, sendo influcenciado por formas de exercício européias e norte americanas do começo do século 20.


Paola Bagetti


Referências que utilizei para elaboração do texto:


A essência do Hatha Yoga, Alicia Souto

A tradição do Yoga, Georg Feurstein

Hatha Yoga Pradipika, tradução de Roberto de Andrade Martins

O tantra iluminado, Christopher Wallis

Shiva Samhita, tradução de "Uma yogini em seva ao Senhor Shiva"

Upanishadas: os doze textos fundamentais, Adriano Aprigliano

Yogasutras de Patanjali: Aforismos da absorção, tradução de João Carlos Gonçalves



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1 Kommentar


David Araujo
David Araujo
23. Feb. 2023

Muito obrigado pelo revelador resumo. Desconhecia boa parte dos fatos que relatou. Tenho certeza que a maioria dos praticantes , e mesmo muitos professores, desconhecem também.

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